“Cuidado com os seus desejos, eles podem se realizar.” O conhecido chavão cai como uma luva no atual cenário político/econômico do país. Há anos, o “mercado”, a indústria e tantos outros setores da economia brasileira clamam por uma Reforma Tributária que, finalmente, foi aprovada em dois turnos pela Câmara dos Deputados. A questão é: será que agora – se aprovada no Senado – todos os problemas se resolvem como em um toque da varinha de condão? Ou, em português claro, no universo automotivo, os carros vão baixar de preço?
Desde sempre, a principal reclamação da indústria, não sem razão, é a enorme fatia paga de imposto na compra/venda de um veículo. Para não ir tão longe, em 2022, o então presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, respondeu a uma pergunta minha, em coletiva de imprensa, explicando que para trazer o consumidor que tem interesse em comprar um automóvel zero novamente para o mercado, a entidade lutava por uma reforma tributária mais moderna e parecida com países desenvolvidos.
“O imposto representa entre 40% e 50% do valor de um carro, a média entre os países desenvolvidos é de 20%. Atualmente, o imposto tira do consumidor a possibilidade de comprar um carro”, disse o executivo da época.
No mesmo ano, Márcio de Lima Leite assumiu a presidência da entidade e manteve o tom – e com conhecimento de causa, afinal, atuou como advogado tributarista. Agora que o momento chegou, será que os carros realmente ficarão mais baratos? Haverá redução de imposto na prática? A indústria automotiva – e os consumidores – saem ganhando com o atual texto da Reforma Tributária? A resposta é: depende.
O principal foco da Reforma Tributária é a simplificação, e não exatamente a redução de impostos. Essa mudança já é considerada por si só um enorme ganho, já que a burocracia brasileira já onera os negócios.
O texto atual acaba com os impostos federais IPI, PIS e Cofins, o estadual ICMS e o municipal ISS. No lugar deles, entram dois IVAs: a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) substitui os tributos federais, enquanto o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) unifica e substitui ICMS (estadual) e ISS (municipal). Além disso, será criado um Imposto Seletivo, que incidirá sobre itens nocivos à saúde e ao meio ambiente.
Outra novidade é o fim do imposto em cascata. Com a criação dos IVAs, será implantada a “não cumulatividade plena”, ou seja, deixarão de ser cobrados impostos sobre impostos, uma prática que encarece os produtos e atrapalha a competitividade da economia brasileira.
Para o atual presidente da Anfavea, a reforma é fundamental para o país, e não apenas por seus detalhes estatísticos, mas pela mensagem de amadurecimento e segurança jurídica que passa ao resto do mundo.
“Se a reforma é perfeita, tem detalhes que poderia ser melhor ou se vai agradar a todos os segmentos do setor automotivo é outra coisa, pois nosso setor é muito grande e as realidades são diferentes. Só de IPI, um carro pode pagar entre 5% e 40%. Como a gente vai trabalhar com uma alíquota única, é claro que vai ter um ajuste para cima e outro para baixo. Mas no geral estamos celebrando muito a aprovação”, afirma Márcio de Lima Leite.
Ao responder à pergunta que não quer calar, “os veículos vão baixar de preço?”, Lima Leite explica que vai depender da alíquota de calibração, que ainda não foi definida.
“Nós trabalhamos com diversos cenários. Em cada um deles, tem um setor que perde enquanto o outro ganha. No geral, não se espera redução da carga tributária, mas se espera a médio prazo uma redução dos gastos administrativos. Hoje gastamos 1,2% do nosso faturamento com administração de burocracia tributária – 1,2% é equivalente a R$ 4 bilhões que poderiam estar sendo investidos em pesquisa, desenvolvimento, treinamento de pessoas e competitividade”, opina o presidente da Anfavea.
Diferentemente do presidente da Anfavea, para André Felix Ricotta de Oliveira, doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP e membro da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB/SP, a expectativa é que os veículos tenham valores menores para o consumidor final.
“Com a reforma tributária sendo aprovada no Senado Federal, a partir de 2026, a tendência é que comece a incidir, de forma progressiva e reduzindo os outros impostos, o IVA Dual. Pela não cumulatividade plena, que está estabelecida na Constituição Federal, há a tendência de não se onerar tanto a indústria e a concessionária em termos tributários. Com isso, a tendência é que haja uma redução dos impostos na venda dos veículos automotores. Essa é a expectativa”, opina.
Se a esperança se concretizar, chega ao fim a grande justificativa – que faz sentido – para o alto preço dos automóveis do Brasil. Mas será que o sonho de décadas vira realidade? Se não virar, qual será a nossa próxima luta?